Raio X da Mata Atlântica

SOS Mata Atlântica promove a III Etapa da
Expedição “Raio-X da Mata Atlântica”


A III Etapa da Expedição “Raio-X da Mata Atlântica”, promovida pela Fundação SOS Mata Atlântica, aconteceu em Santa Catarina de 29 de abril a 01 de maio. A Expedição faz parte das comemorações dos 18 anos de atuação da Fundação e tem por objetivo levar ao conhecimento de todos as diversas ameaças, situações de desmatamento desenfreado e projetos bem-sucedidos que colaboram com a conservação e preservação do bioma.
Em três dias de expedição, os participantes tiveram contato com integrantes de ONG’s e demais atores sociais que vêm trabalhando a questão ambiental de forma consciente no Estado que tem 23 Reservas Particulares do Patrimônio Natural.
A primeira parada dos “expedicionários do Meio Ambiente” foi Joinville. Com mais de 500 mil habitantes, Joinville tem sua história intimamente ligada à Serra Dona Francisca, pela qual foi aberta uma via de acesso, nos meados do século XIX entre a “Colônia Dona Francisca” e as povoações do planalto, possibilitando a sobrevivência dos primeiros imigrantes europeus e desenvolvimento da região. A travessia da Estrada Dona Francisca era feira em carroças de quatro, seis, oito e doze cavalos que transportavam toda a sorte de cargas e pessoas serra acima e serra abaixo. Alguns pesquisadores afirmam que a Serra só não teve o mesmo fim que boa parte da Floresta Atlântica por conta da sua declividade. Mas a perpetuação de parte dessa serra foi garantida mesmo no final da década de 60, quando o madeireiro Hary Heins Lindner passou a comprar do Domínio Dona Francisca, empresa que administrava os bens da Princesa Dona Francisca, os remanescentes de terras denominadas Caetezal, para garantir a obtenção de matéria-prima (madeira) para a fabricação de revestimentos de tetos, paredes e assoalhos. A extração de madeira durou somente 3 anos, quando em 1971 ele passou a comprar madeira de terceiros e em agosto de 1977, por meio da Portaria 327/77, o então Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) criou os Refúgios Particulares, mas em menos de um mês Hary Lindner requereu ao IBDF que suas florestas fossem tombadas como Refúgio Particular de Animais Nativos (RPAN), o que foi reconhecido em 09 de fevereiro de 1979, através da portaria 56/79-P e os 10 mil hectares pertencentes ao madeireiro passaram a ser o primeiro o primeiro RPAN e ele pioneiro na preservação de florestas no Brasil.
Décadas depois, mais especificamente em 1996, aconteceu a Audiência Pública da Usina Hidrelétrica Cubatão (UHE – Cubatão), no Auditório do Banco do Brasil, promovida pelo Consórcio Cubatão S/A que pretendia instalar na região do Caetezal uma UHE que acabaria com o salto do rio Cubatão – que tem 369 metros de queda – já que o IBAMA alegava que aquelas florestas haviam perdido os status de unidades de conservação particular, já que Hary Lindner não havia se adequado à nova legislação que mudou a categoria de Refúgio para Reservas. Em 2001, após enviar pedido ao IBAMA, a área do Caetezal foi reconhecida como RPPN através da Portaria 168.
A RPPN do Caetezal é constituída de Floresta Ombrófila Densa Montana que vai de 400 a 800 metros do nível do mar, Ombrófila Densa Alto-Montana, Campos de Altitude e uma Floresta de Transição de Ombrófila Montana para Ombrófila Mista, que é a Floresta de Araucária.
A partir dessa audiência pública, o ambientalista Paulo Lindner, filho do madeireiro, resolveu procurar a SOS Mata Atlântica para lutar pela preservação do Salto de Cubatão, que abastece os habitantes de Joinville – através do movimento SOS Cubatão - e contra a instalação da UHE. Mas pelo jeito a batalha está longe do fim, já que atualmente o Grupo Tractebel vem querendo retomar oi projeto da UHE.
Graduado em Turismo com ênfase em Meio Ambiente, o ambientalista pretende resgatar o patrimônio histórico-cultural da região e a história dos carroceiros que foram fundamentais para o desenvolvimento de Joinville e região.
De madeireiro a proprietário de uma RPPN, Hary Lindner, que cursou somente até a segunda série primária, tem uma história cercada de histórias curiosas, como as mudas de Jacarandá da Bahia que recebeu após ser lesado na compra de uma carga de toras sem utilidade para ele. Ele conseguiu plantar este tipo de árvore em Joinville e descobrir uma particularidade desta espécie que nem os cientistas sabiam, o Jacarandá da Bahia, além do crescimento anual, tem a influência da lua e ganha anéis mais fracos demarcando este crescimento lunar.
Dono de uma indústria de revestimentos de madeira para tetos, pisos e paredes, da qual o slogan é Madeira como a Natureza criou, Hary Lindner tem orgulho e mostrar o trabalho que desenvolveu e sua relação estreita com a natureza.
- Árvore é Deus, árvore é vida – diz Hary.
A Associação Movimento Ecológico Carijós (AMECA), também tem travado algumas batalhas para preservar o meio ambiente em São Francisco do Sul, ilha localizada no litoral norte do Estado. Considerada a cidade ambientalmente mais bem preservada de todo o litoral de Santa Catarina, São Francisco do Sul e seus cerca de 33 mil habitantes vem sofrendo com a implantação, no inicio de 2000, da Vega do Sul, empresa laminadora de aço – responsável pela produção de 2/5 de todo aço laminado do planeta - que já chegou no município causando polêmica, já que muitos alegam que o licenciamento liberado pela Fundação do Meio Ambiente (FATMA), órgão ambiental do estado, foi autorizado pelo governo do estado para favorecer a empresa.
Desde seu licenciamento, a Vega do Sul tem participado de embates com AMECA que defende a preservação da cidade que tem vocação turística. Segundo a presidente da Associação, Ana Paula Cortez, no ano passado a empresa estava organizando a demonstração de testes com cromagem para que jornalistas conhecessem este processo, mas os testes foram suspensos por conta de uma liminar conseguida às pressas por Ana Paula e outros integrantes da AMECA. A cromagem é o processo mais perverso de poluição e não existe hoje nenhum equipamento no Brasil que a retire.
A Presidente da AMECA, Ana Paula Cortez, reconhece que muitas empresas estão tomando consciência e investindo em projetos ambientais, mas ela se preocupa com a possibilidade de um colapso econômico em sua região. Ela deixa claro que não é contra a instalação em si, mas pretende resguardar a qualidade ambiental da cidade.
Ana Paula teme que a cidade sofra um colapso econômico por causa dos danos ambientais, já que a vocação do município é o turismo e em 2004 a cidade ficou sem água pela primeira vez. Margaret Paim, integrante da AMECA, compartilha do mesmo temor e traça um panorama do que aconteceu com a cidade após a chegada da Veja do Sul.
– Como a Vega restaurou o Museu do Mar e o cinema municipal, as pessoas ficaram encantadas com a empresa e com o “progresso” que ela trouxe – diz Margaret.
Ela alerta que muitas pessoas de outras cidades e estados foram trabalhar na instalação da empresa em São Francisco do Sul, chegando a ter 2000 homens em uma cidade com pouco mais de 30 mil habitantes.
- O mercado imobiliário aumentou, o comércio cresceu, mas com isso o índice de mulheres grávidas também aumentou – comenta.
Ela lembra que foi após 13 horas de discussão com o presidente da Vega do Sul na justiça que eles conseguiram chegar a um termo de compromisso que resultou na criação do Parque Acaraí com a mesma dimensão da Vega do Sul, ainda em processo de implementação.
Mas as lutas não param e agora os integrantes da Associação pretendem implementar a Agenda 21 em São Francisco do Sul para resguardar a qualidade ambiental e para isso já receberam, inclusive, a visita de Ary Martini, Coordenador da Agenda 21 do Ministério do Meio Ambiente.
Outro exemplo de que a sociedade civil está cada vez mais organizada é a Associação Ecológica Joinvilense Vida Verde, que possui dois carros-chefe: a melhoria da qualidade de vida de crianças e idosos com a criação/manutenção dos parques e água.
- Enquanto Europa e EUA fazem barragens para conter água doce, aqui é o contrário – comenta Nilsa Gramkow, vice-presidente da Associação.
E fala isso com propriedade já que ela é a coordenadora do projeto de revitalização do Rio do Braço (14km de extensão), que já tinha saído do mapa e que eles estão conseguindo revitalizar
- Esse rio morreu por causa da urbanização, o desmatamento, as edificações, as indústrias – diz Nilsa – O Rio do Braço tem grande importância sócio-econômica e pretendemos criar mecanismos de renda, como flor de corte e palmito Jussara - completa.
O projeto prevê a implantação de matas ciliares, uma primeira parte em 15 metros e depois que esta estiver estabelecida, completar os 30 metros, afastar os esgotos, criar áreas de recarga de água e aproveitamento de água de chuva.
Para provar que este projeto pode dar certo, Nilsa começou o projeto no Sítio Rio do Braço – de propriedade da sua família –, localizado no bairro de Pirabeiraba, área de 150 mil m2, 42% dela para Área de Proteção Permanente. A propriedade cedida por seu pai, é a unidade modelo para o projeto. A primeira fase está sendo implantada, porém nenhum recurso recebido para a Associação será utilizado no projeto.
- O projeto recebeu US$ 5 mil da GGF Brasil, do fundo social verde para pequenos projetos, mas esse dinheiro veio para a mobilização e isso foi positivo porque algumas empresas e mineradoras estavam usando o nome do projeto para instalar empreendimentos na região. Com esse dinheiro divulgamos na mídia e em outdoors quem eram os parceiros do projeto para a população não ser enganada e conseguimos maior flexibilidade para fazer o jornal – diz a vice-presidente.
Alunos de escolas e universidades visitam a propriedade e participam de seminários ministrados pela Universidade de Joinville (Univille) no Sítio Rio do Braço.
A propriedade possui estação de tratamento de esgoto para dez pessoas (atendeu a 100 pessoas em um dos eventos realizados na propriedade), tem uma ponte feita em isopor e somente nos últimos 3 anos, foram inseridas cerca de 5 mil árvores na propriedade.
No próximo dia 05 de junho, eles pretendem implantar mais uma unidade modelo em mata ciliar, em comemoração aos 100 anos da Igreja Luterana e do Rotary Clube.
Os expedicionários do Meio Ambiente conheceram Elza Nishimura Woehl, diretora executiva do Instituto Rã-bugio para a Conservação da Biodiversidade, localizado em Guaramirim.
A ONG procura conscientizar e educar crianças e adolescentes e assim popularizar a biodiversidade, principalmente a fauna anfíbia, para que eles percebam a importância de preservar o pouco que sobrou da Mata Atlântica.
Na sede do Instituto existem trilhas interpretativas da Mata Atlântica e dois lagos, que já foram visitados por cerca de 10 mil alunos, além disso Elza Woehl, juntamente com estagiários de universidades, organiza exposições itinerantes de banners sobre os anfíbios da região que já foram vistos por mais de 500 mil alunos de escolas e universidades de SC e PR.
Blumenau - próxima parada da Expedição – possui o primeiro parque nacional criado dentro da lei do SNUC e suspenso por força de uma liminar, o Parque Nacional do Itajaí.
Lauro Eduardo Bacca, ambientalista, formado em Biologia/ Ecologia, ex-professor da Universidade de Blumenau, mestre em Ecologia e um dos idealizadores da criação do parque há mais de duas décadas, acompanhou a expedição até o parque para mostrar o resultado de um sonho.
A área do Parque Nacional do Itajaí é de 57.374,76 hectares e o Parque das Nascentes está dentro desta área. Hoje como voluntário no parque, Lauro Bacca proprietário da RPPN Bugerkopf (criada em 1992) e ex-presidente da CAPREMA (ONG mais antiga do Estado), tem orgulho em mostrar o estado de conservação do Parque e a sucessão ecológica que pôde ser observada nos últimos 20 anos.
- Existem áreas que há duas décadas eram pastos e hoje tem mata ciliar - diz Bacca.
O ambientalista ressalta também as parcerias que o parque conquistou antes mesmo da Lei do SNUC.
- A SAMAE contribui com o Parque das Nascentes em troca do que o parque fornece, ou seja, água para abastecimento – diz ele.
Essa contribuição ajuda a manter três zeladores que cuidam da preservação das trilhas que levam ao topo do Morro do Sapo, por exemplo, e que são fiscalizadas uma a duas vezes por semana, no verão e três a quatro vezes no inverno.
Para controlar a entrada de visitantes o parque conta com alunos-bolsistas da Universidade Regional de Blumenau (FURB), que cadastram as pessoas e orientam para os cuidados que devem ser tomados dentro do parque.
Para provar que educação começa de casa, a Bióloga Anja Meder Steinbach, fundou a ONG Instituto Esquilo Verde há 4 anos.
- Comecei esse trabalho de educação ambiental quando meus filhos foram para a escola – diz a presidente da ONG Anja Steinbach.
Ela montou um Centro de Integração Ambiental em um sítio de sua propriedade e desde então recebe cerca de mil pessoas - entre crianças, jovens e adultos – a cada ano para trabalhar educação ambiental nas trilhas feitas no sítio.
Além da parceria firmada com o Fundo Municipal de Meio Ambiente para implantar Educação Ambiental nas escolas, a ONG tem um convênio com a FURB e a Bacia do Itajaí para o projeto Piava (nome de um peixe que é indicador em cursos d’água para boa qualidade d’água) com o qual pretende implementar políticas de recuperação de nascentes e matas ciliares na Bacia do Itajaí.
Iniciativas como esta mostram o quanto o meio ambiente está frágil, mas que não está sozinho. Cada vez mais a sociedade civil está se organizando e atentando para a importância da conservação do meio em que vivemos.

Linhas diretas:
www.sosmatatlantica.org.br/
www.vidaverde.org.br
www.ra-bugio.org.br
www.tacolindner.com.br


Matéria originalmente publicada no Jornal do Meio Ambiente - Edição: Maio/2005.

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